segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Você, vermelho-tomate.

Por um único e singelo momento tudo para.
Acho que ela não me deixaria ficar se soubesse das minhas intenções mais íntimas. A sua insegurança pode ser tanto o motivo pelo qual é tão cautelosa quanto a linha tênue que separa o seu cuidado do medo. E o seu medo devora lentamente cada uma das suas entranhas e repuxa os seus lábios num sorriso sádico e tranca a casa com cadeado e aviso formal de despejo pra ninguém ousar em chegar perto. Doutor, essa moça tem apatia amorosa. Ou ela finge tão bem que não quer ninguém que a gente acredita. Oscar pra ela!
Ela tropeça desajeitada o tempo todo. Cai de amores pra lá e pra cá, mas levanta rápido, confere os arranhões e o que der pra cobrir com o casaco ela cobre. Sai andando no meio da multidão como se nada tivesse acontecido. E quando perguntam como foi o seu dia, ela diz que foi bom. Bom é uma boa resposta pra ela. Evita perguntas inconvenientes e fofoqueiros de plantão. Evita ter que apresentar alguém pra família e evita que a fobia social dela se desenvolva mais ainda e ela comece a tropeçar nos próprios cadarços – que ela não sabe amarrar direito, diga-se de passagem.
Ah, Doutor, mas ontem à noite ela deitou no meu divã.
Não precisou de muito pra desamarrar os sapatos porque os cadarços estavam frouxos – e eu já disse que ela não sabia amarrá-los direito. Aconchegou no meu peito e tremia toda. Pediu pra ver um filme de terror e escolheu um romance qualquer – e ainda acho que isso explica muito sobre a visão dela de envolvimentos amorosos. Ela tremia da cabeça aos pés. Enroscou as minhas pernas algumas boas vezes e deixou pra lá as tentativas de ter a sensualidade de alguma stripper de filme americano. Pausou o filme algumas outras vezes pra jogar papo fora. Ela não era boa em dar continuidade nas coisas. Nunca terminava o que começava e dava pra notar de longe. Ô Doutor, será que eu vou conseguir parar de analisar essa menina?
Mas por um único e singelo momento tudo para.
Ela me encara nos olhos – diretamente – e me pergunta sobre a minha cor preferida. E me deixa encabulado. Eu aqui tecendo teses sobre ela, e ela tentando montar o meu perfil. Ela dá uma risada gostosa que me pega de surpresa. Não tinha percebido que o rosto dela era tão simétrico assim e que os olhos combinavam com o nariz e que as covinhas me distraíam mais que os peitos e que a voz meio fina me dava vontade de rir e que a boca rosada era meu ponto de escape de qualquer terapia de autoconhecimento. Só que eu tinha receio de cair pra dentro dela, e ela achar que a invasão foi precipitada demais. Ela faz uma segunda pergunta enquanto eu nem consigo responder a primeira. No que você tá pensando? E eu sou pego de surpresa novamente. Devolvo com qual é a sua cor preferida. E ela responde sem pensar demais. Você, vermelho-tomate. E me dou conta de que estou corado.
Eu chego a uma conclusão, Doutor. Essas meninas de hoje em dia são mais espertas do que a gente pensa. Não vale a pena perder as noites de sono tentando analisar cada passo delas pra ver se a gente entende alguma coisa. Elas não dão sinais precisos. Diminuem um homem ao tamanho de um pequeno polegar em segundos. E ela foi só mais uma prova de que os homens somos loucos. E são ardilosas, Doutor. Pode deixar que na próxima consulta quem vai deitar no divã sou eu.
Tenho certeza de que, até lá, ela já vai ter me enlouquecido.

- Daniel Bovolento

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